De volta ao passado… por que vivemos um retrocesso vacinal?
Mundo e Brasil vivem retrocesso vacinal nos últimos anos, com uma queda progressiva, sustentada e contínua dos níveis vacinais. É a pior crise nos últimos trinta anos.
Rosana Richtmann-26 de outubro de 2022
Praticamente 120 anos se passaram desde a revolta das vacinas ocorrida no Rio de Janeiro, onde o “vilão” foi o ilustre médico Oswaldo Cruz, que depois foi super reconhecido em relação à importância da vacinação. Na época, se falava que vacinas eram coisas muito novas, pouco se conhecia sobre elas e não era algo confiável. Por incrível que pareça, 120 anos depois a gente continua ouvindo esse tipo de afirmação. Nos últimos anos, começando mais ou menos em 2016, vivemos um retrocesso vacinal, com uma queda progressiva, sustentada e contínua dos níveis vacinais. É a pior crise de falta de vacinação infantil nos últimos trinta anos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 25 milhões de crianças estão sem vacina pelo mundo. Claro, há crianças sem vacina por falta de acesso, às vezes até por conflitos ou mesmo guerra civil no seu local. Mas, infelizmente, sabemos que uma boa porcentagem está sem vacinas por opção ou falta de informação dos seus pais. Por outro lado, a OMS também estima que a cada ano, dois a três milhões de mortes são evitadas no mundo graças à vacinação.
Como é que nós vamos medir as consequências desse retrocesso vacinal no mundo inteiro e, lógico, aqui no Brasil também? Infelizmente, as consequências serão medidas por vidas perdidas, por sequelas adquiridas. No nosso país não há falta de vacinas. Há falta de vacinação.
Eu me lembro, na época da minha infância, de receber várias vacinas dentro da escola. A gente fazia fila no pátio para tomar vacina. Ninguém questionava se teria algum evento adverso, febre por seis, vinte e quatro horas ou se teria dor no local da aplicação. Isso não era questionado, porque nós tínhamos absoluta convicção da importância da necessidade de vacinação para saúde coletiva do nosso país.
Havia uma comunicação e uma força conjunta do Ministério da Saúde com o Ministério da Educação, envolvendo as escolas. Facilitar o acesso às vacinas é fundamental. Com isso, você vai, necessariamente, aumentar as coberturas. O Brasil, tradicionalmente, é um país que sempre teve muita confiança na vacinação e de forma quase natural nós adquiríamos 90%, 95% de cobertura vacinal.
Com os anos, isso foi se perdendo. Hoje a população é muito mais desconfiada de tudo. E, lógico, é muito fácil entender por que o Brasil é um dos pioneiros no ranking de desconfiar das coisas. Se alguém te oferece algo gratuito, você não aceita porque seguramente acha que deve ter algum problema por trás. E as vacinas, uma conquista de longos anos, com Programa Nacional de Imunizações tão completo, complexo e gratuito, hoje fica sob a desconfiança de que algo não muito bom está por trás disso.
Conseguimos eliminar a paralisia infantil do nosso país – o último caso foi na década de 1980 e recebemos o certificado de eliminação em 1994. Conseguimos eliminar a síndrome da rubéola congênita – que é o risco de uma gestante ter rubéola e o bebê nascer, além de malformado, também cego. Há ainda o fato de ter eliminado doenças como sarampo até recentemente, erradicado a varíola do globo – não existe mais nenhuma criança nem adulto com varíola no mundo. Tudo isso é graças à vacinação.
Como resgatar a confiança e interromper o retrocesso vacinal?
A própria OMS vê como um dos grandes problemas de saúde pública hoje a falta de confiança nas vacinas. Como resgatar isso? Vontade política e investimento. Investimento em saúde pública, em treinamento dos profissionais que estão envolvidos na vacinação, em campanhas esclarecedoras. A gente não sente e não vê vontade nem iniciativa política para, de fato, fazer campanhas educativas nas mídias, seja por televisão, redes sociais, influenciadores digitais. Ou seja, precisa de um investimento também em comunicação para resgatar a confiança nas vacinas.
E não fazer como “bombeiros da saúde”, como me sinto às vezes. Recentemente tivemos o aumento do número de casos de meningite meningocócica e a busca da vacina foi imediata, porque saber que alguém morreu na zona X da cidade de São Paulo traz a percepção de que esse risco é uma coisa muito mais próxima. Com isso, a reação da nossa população é imediata. Por isso a questão do bombeiro: precisa pegar fogo para a gente tomar uma atitude e ir lá apagar esse incêndio.
Não pode ser assim. Prevenção é muito mais importante e muito mais eficaz do que tratamento. Prevenção não leva à morte, não deixa sequelas.
Seja o que for acontecer na política do nosso país, o próximo governo vai ter uma dura missão pela frente de resgatar as coberturas vacinais e proteger as crianças, antes que a gente, de fato, tenha a reintrodução da paralisia infantil – e estamos em altíssimo risco para que isso aconteça –, além de outras doenças já eliminadas do nosso país.
Eu confio no brasileiro, eu confio na ciência e tenho convicção que nós vamos melhorar a nossa situação.
Infectologista do Instituto Emílio Ribas, Chefe do Departamento de Infectologia do Grupo Santa Joana e Membro dos Comitês de Imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia, de Calendários da Sociedade Brasileira de Imunização e do Comitê Permanente em Assessoramento de Imunização da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. É graduada em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos e possui Doutorado em Medicina pela Universidade de Freiburg, na Alemanha